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Por Mangata / 21/08/2025

Filhos menores e a nova cidadania de série B: os efeitos da Lei 74/2025

A entrada em vigor da Lei nº 74 de 2025 representou uma mudança profunda — e preocupante — no regime jurídico da cidadania italiana reconhecida aos descendentes de italianos nascidos fora do território nacional.

Com a nova norma, o que durante décadas foi tratado como um direito pleno e automático, baseado no princípio do ius sanguinis (direito de sangue), passou a ser condicionado a critérios formais e prazos burocráticos que comprometem a sua continuidade, especialmente para os filhos menores de cidadãos italianos reconhecidos recentemente.

1. O fim da cidadania automática para filhos menores

Até março de 2025, a regra era clara: filhos menores de cidadãos italianos reconhecidos no exterior eram considerados italianos desde o nascimento, bastando que fossem devidamente registrados junto ao consulado. Com a nova legislação, essa garantia deixou de existir.

Se o registro do menor no AIRE não tiver sido realizado antes da entrada em vigor da nova lei, os pais precisam agora realizar uma declaração formal perante o consulado dentro de um prazo determinado, sob pena de perda definitiva dessa possibilidade.

O que antes era um reconhecimento automático de um direito originário, passa agora a depender de um ato formal e condicionado — e isso representa, na prática, uma transformação do direito em concessão.

2. Cidadania por declaração, não por direito

A cidadania conferida a esses menores não é mais reconhecida como um status jurídico pleno. Trata-se, tecnicamente, de uma forma de “cidadania por concessão”, sujeita à iniciativa dos pais, dentro de regras rígidas e prazos restritos. Se os pais não agirem a tempo, o menor perde esse direito.

Além disso, mesmo quando concedida, essa cidadania possui limitações expressivas em relação à sua transmissibilidade futura — e é nesse ponto que a desigualdade se acentua.

3. Limitações à transmissão: o risco da “cidadania estéril”

A nova legislação impõe uma condição inédita e especialmente restritiva: os cidadãos reconhecidos por meio dessa nova modalidade não poderão transmitir a cidadania aos próprios filhos, salvo se residirem legalmente na Itália por pelo menos dois anos antes do nascimento das crianças.

Isso significa que, ainda que reconhecidos como italianos, esses indivíduos são impedidos de garantir a continuidade do vínculo jurídico com seus descendentes — criando, na prática, uma categoria de cidadãos com cidadania limitada, sem os mesmos direitos dos demais.

Trata-se de uma ruptura com o princípio de igualdade previsto na Constituição Italiana, e que gera, inclusive, situações familiares marcadas pela injustiça: irmãos, filhos do mesmo pai, nascidos com poucos anos (ou até meses) de diferença, em que um é italiano pleno e o outro é condicionado por restrições introduzidas por uma mudança legislativa súbita.

4. A constitucionalidade em debate

A Constituição da República Italiana afirma que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Criar uma distinção entre cidadãos de “série A” — com cidadania plena — e cidadãos de “série B” — com cidadania limitada ou não transmissível — é um ponto que deve ser debatido com atenção pelo Parlamento, pela sociedade civil e, possivelmente, pelos tribunais.

A nova norma, além de desigual, atinge diretamente menores de idade que não têm qualquer responsabilidade pelo momento ou forma com que foram registrados, criando uma distinção jurídica que contraria os valores fundamentais do ordenamento italiano e europeu.

Conclusão: uma reforma que exclui

A Lei nº 74/2025 foi apresentada como uma modernização, mas produziu, na prática, um efeito de exclusão. Transformou direitos consolidados em exigências burocráticas difíceis de cumprir, e criou cidadãos reconhecidos, mas limitados — impedidos de transmitir sua cidadania de forma plena.

Essa desigualdade precisa ser revista. O vínculo com a cidadania italiana é construído sobre sangue, história, pertencimento e continuidade — não deve ser rompido por um formalismo legal que desconsidera a realidade das famílias e das trajetórias migratórias.

Se a sua família foi impactada por essas mudanças, nossa equipe está à disposição para orientar e atuar juridicamente nos casos em que houver espaço para contestação.

Seguiremos comprometidos com a defesa dos direitos dos descendentes de italianos que, décadas atrás, deixaram sua terra em busca de melhores condições de vida — e cujos vínculos com a Itália não podem ser ignorados por restrições burocráticas recentes.